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Nobel de Medicina 2022 vai para pesquisas sobre evolução humana

O Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina de 2022 vai para o pesquisador sueco Svante Pääbo, 67, laureado por desvendar os genomas de hominínios extintos, ou seja, membros desaparecidos do grupo de primatas ao qual pertencem os seres humanos. Entre outros feitos, ele coordenou em 2010 os trabalhos que sequenciaram (“soletraram”) o DNA completo dos neandertais, desaparecidos há cerca de 40 mil anos.

Pääbo vai receber sozinho o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (pouco mais de US$ 900 mil, ou R$ 4,8 milhões, na cotação do dia 30 de setembro). Além disso, será agraciado com um diploma e uma medalha.

Nascido em Estocolmo, Pääbo trabalha há décadas no Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionista, em Leipizig (Alemanha). Com trabalhos pioneiros que vêm desde os anos 1980, ele foi um dos primeiros a demonstrar que era possível obter material genético de seres humanos que morreram há milhares de anos.

Os primeiros estudos de Pääbo foram feitos com múmias egípcias, reflexo de seu sonho inicial de atuar como estudioso do Egito antigo, mas seus esforços logo se voltaram para objetivos mais ambiciosos: os parentes arcaicos do Homo sapiens.

Acontece que o pesquisador se tornou um membro desse ramo de pesquisa justamente durante os anos em que ganhava força a hipótese conhecia como “out of Africa” (“saídos da África”). De acordo com ela, todas as pessoas vivas hoje descenderiam dos seres humanos de anatomia moderna que teriam deixado a África e começado a povoar os demais continentes entre 100 mil e 60 mil anos atrás.

Nessa época, havia outros hominínios vivendo fora da África, como os neandertais (Homo neanderthalensis) na Europa e no Oriente Médio e, talvez, pequenas populações do Homo erectus no Sudeste Asiático. De acordo com a hipótese “out of Africa”, os seres humanos modernos de origem africana teriam substituído totalmente essas populações.

Essas conclusões vinham da análise de esqueletos antigos e do DNA das populações humanas atuais, mas o DNA antigo poderia ser a evidência decisiva sobre o tema.

Ao longo dos anos 1990 e 2000, a maior parte dos dados obtidos por Pääbo e seus colegas, como o alemão Johannes Krause e o americano David Reich, pareciam apoiar totalmente o cenário “out of Africa”. Ele e sua equipe foram os primeiros a “ler” um pequeno trecho do material genético dos neandertais -o mtDNA ou DNA mitocondrial, que está presente apenas nas mitocôndrias, as usinas de energia das células, e é transmitido exclusivamente pela linhagem materna, de mãe para filha ou filho.

O mtDNA neandertal parecia ser exclusivo da espécie e, até hoje, não foi encontrado em nenhuma pessoa viva. A interpretação mais simples, dizia Pääbo, é que os neandertais não teriam deixado nenhum descendente moderno, mesmo que parcialmente.

Os especialistas em DNA antigo, porém, continuaram refinando suas técnicas, com o sueco sempre na vanguarda. Métodos de extração de DNA cada vez mais rigorosos (para evitar contaminação com DNA moderno), mais cuidados laboratoriais e análises computacionais mais refinados dos dedos permitiram a expansão dos estudos para o DNA nuclear, ou seja, o genoma “principal”, presente no núcleo das células. Com isso, a equipe de Pääbo decidiu produzir um “rascunho” do genoma completo dos neandertais (“rascunho” porque a qualidade da leitura de DNA não é tão boa quanto a do genoma de uma pessoa de hoje).

Quando os dados finalmente começaram a se encaixar, a equipe precisou mudar de ideia. Eles detectaram uma semelhança pequena, mas inconfundível, do DNA neandertal com o de pessoas atuais de origem não africana -tanto na Europa quanto na Ásia, e também entre os indígenas das Américas e os nativos da Oceania.

A explicação mais plausível para isso era que, ao sair da África, os ancestrais dos povos não africanos se miscigenaram com os neandertais, e essa herança foi transferida para a maior parte da humanidade atual. Calcula-se que até 2% do genoma dessas pessoas tenha vindo do Homo neanderthalensis.

Estudos posteriores confirmaram esses dados iniciais e indicam que a miscigenação aconteceu múltiplas vezes em diversos lugares da Eurásia. Por fim, Pääbo e seus colaboradores também são responsáveis pela descoberta dos denisovanos, misteriosos hominínios identificados a partir de fragmentos ósseos e dentários achados na caverna de Denisova, na Sibéria.

Não se sabe exatamente qual território ocupavam nem que aparência tinham, mas os denisovanos eram, mostra o DNA, hominínios arcaicos diferentes dos neandertais, mas que se miscigenaram com eles e também com o Homo sapiens. Povos nativos da Oceania e do Sudeste Asiático, como aborígenes australianos, papuanos e grupos tribais das Filipinas, carregam pequenas porções (até 5%) de DNA denisovano em seu genoma.

Os trabalhos de Pääbo, portanto, acabaram mostrando que o modelo “out of Africa”, embora esteja correto em grande medida, ignorava a longa interação e miscigenação dos Homo sapiens africanos com seus parentes arcaicos.

O arqueólogo André Strauss, da USP, que coordena um laboratório pioneiro na análise de amostras de DNA antigo no Brasil, comemorou a láurea. “A premiação do Pääbo é a consagração da antropologia evolutiva e das abordagens quantitativas como uma das mais importantes formas de estudar o passado humano. Para as humanidades no Brasil, deveria servir como um farol de brilho forte, indicando um caminho valioso a ser seguido”, declarou ele.

HISTÓRIA DE FAMÍLIA

O pai de Pääbo, o bioquímico Sune Bergström, também ganhou o Nobel de medicina, dividindo o prêmio com dois outros vencedores em 1982. O ganhador de 2022, porém, cresceu com a mãe, a química Karin Pääbo, nascida na Estônia.

O pesquisador sueco é bissexual e se relacionou principalmente com homens antes de se casar com a primatóloga e geneticista americana Linda Vigilant. Eles têm dois filhos. Pääbo relata boa parte de sua trajetória pessoal e científica no livro “Neanderthal Man: In Search of Lost Genomes” (“Homem de Neandertal: Em Busca de Genomas Perdidos”), ainda inédito no Brasil.

PREMIAÇÕES ANTERIORES

Em 2021, a láurea ficou com o americano David Julius, 65, e o libanês de origem armênia Ardem Patapoutian, 54. Os dois elucidaram os mecanismos que permitem que o sistema nervoso capte estímulos de temperatura e toque na pele.

Em 2020, o Nobel de Medicina foi dividido por três pesquisadores pela descoberta do vírus da hepatite C. O americano Harvey Alter, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), o britânico Michael Houghton, da Universidade de Alberta, e também o americano Charles Rice, da Universidade Rockefeller, foram os laureados.

Por causa da pandemia, em 2020 e 2021, as medalhas e os diplomas de premiação foram enviados para a casa dos ganhadores.

Já em 2019, William G. Kaelin, da Universidade Harvard, Peter J. Ratcliffe, da Universidade de Oxford, e Gregg L. Semenza, da Universidade Johns Hopkins, foram os premiados por pesquisas sobre como as células percebem e alteram o comportamento de acordo com a disponibilidade de oxigênio.

Em 2018, foi a vez de James P. Allison e de Tasuku Honjo serem laureados pelas descobertas ligadas à imunoterapia, ou seja, ao combate do câncer com drogas que potencializam a função do sistema imunológico.

Entre as descobertas premiadas no passado estão as da estrutura do DNA por James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins (1962), a da penicilina por Fleming e outros (1945), a do ciclo do ácido cítrico por Hans Krebs (1953) e a da estrutura do sistema nervoso por Camillo Golgi e Santiago Ramón y Cajal (1906).

Outras descobertas notáveis premiadas pelo Nobel de Medicina ou Fisiologia são a da insulina (1932), da relação entre HPV e câncer (2008), a da fertilização in vitro (2010), a de que existem grupos sanguíneos (1930) e a de como agem os hormônios (1971).

A única pessoa nascida no Brasil que recebeu um Nobel foi o britânico Peter Medawar, pela descoberta das bases da tolerância imunológica adquirida, ou seja, a capacidade de fazer o sistema imunológico de um organismo não reagir a certos fatores.

“É meu desejo que, ao atribuir os prêmios, nenhuma consideração seja dada à nacionalidade, mas que o prêmio seja concedido à pessoa mais digna, sejam ou não escandinavos”, diz o testamento de Alfred Nobel.

Apesar do desejo, a concentração das premiações científicas em países ricos é expressiva. Isso sem contar o pequeno número de mulheres premiadas, somente 12 de 222 laureados -e o Nobel de Medicina, entre os prêmios científicos, ainda é o com maior participação feminina.

COMO É ESCOLHIDO O GANHADOR DO NOBEL

A tradicional premiação do Nobel teve início, de certa forma, com a morte de Alfred Nobel, inventor da dinamite. Em 1895, em seu último testamento, Nobel registrou que sua fortuna deveria ser destinada para a construção de um prêmio -o que foi recebido por sua família com contestação. O primeiro prêmio foi dado em 1901.

A escolha do vencedor do principal prêmio da área de fisiologia ou medicina começa por indicações de um grupo de 50 pesquisadores ligados ao Instituto Karolinska, na Suécia. Alfred Nobel, em seu testamento, destinou à instituição a missão de eleger para receber a láurea àquele que tenha feito notáveis contribuições ao futuro da humanidade.

O processo tem início no ano anterior à premiação, mais especificamente em setembro, com o envio de convites para indicar um nome para o prêmio, o que deve ocorrer até o dia 31 de janeiro.

Podem indicar nomes os membros do Comitê do Nobel do Instituto Karolinska; profissionais da área de biologia e medicina ligados à Academia Real Sueca de Ciências; vencedores dos prêmios de fisiologia ou medicina ou de química; professores titulares de medicina de instituições suecas, norueguesas, finlandesas, islandesas ou dinamarquesas; professores em cargos semelhantes em outras faculdades de medicina de universidades de todo o mundo, selecionadas pelo Comitê do Nobel, com o objetivo de assegurar a distribuição adequada da tarefa entre vários países; e acadêmicos e cientistas selecionados pelo Comitê do Nobel.

Já autoindicações não são aceitas.

Fonte: Folhapress (Reinaldo José Lopes) 

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